A autossuficiência brasileira na produção de fertilizantes garante o abastecimento interno, pode melhorar a eficiência dos produtos e diminuir custos
Após dez anos da última tentativa, o Brasil desenha novamente um Plano Nacional de Fertilizantes para diminuir a dependência do mercado externo. Ao mesmo tempo em que crescem as importações da conhecida fórmula NPK (nitrogênio, fósforo e potássio), a produção interna cai consideravelmente. “Nós nunca compramos tanto e ao mesmo tempo produzimos tão pouco fertilizantes. Temos que nos perguntar se é estratégico o país importar cerca de 8o% de um insumo sem o qual ele não consegue ser competitivo no agronegócio, setor que representa quase um terço no nosso PIB”, diz José Carlos Polidoro, pesquisador da Embrapa e coordenador do Programa Nacional de Solos do Brasil.
Estima-se que em 2021 a venda de fertilizantes no país alcance pela primeira vez a marca de 40 milhões de toneladas. Esse é um mercado que vem crescendo entre 2% e 3% ao ano, mas em 2020 registrou aumento de 6%. “Hoje, importamos 96% do potássio, quase 90% do nitrogênio — porque as fábricas da Petrobrás que entraram em hibernação em 2018 ainda não voltaram à operação — e algo em torno de 73% do fósforo”, afirma Polidoro.
Segundo ele, a situação atual é mais grave do que a de 2010, quando as discussões do primeiro plano foram iniciadas. “Naquela época, conseguíamos produzir aqui cerca de 40% do nitrogênio, por exemplo. Isso é uma questão de segurança nacional, estamos falando de segurança alimentar e de equilíbrio econômico de divisas no país.”








Principal período de aplicação dos grandes consumidores de fertilizantes.
E por que a produção agrícola interna está tão atrelada ao uso de fertilizantes? Polidoro explica que o solo brasileiro, diferente do encontrado no hemisfério norte, é pobre em nutrientes. Nosso agronegócio conta com outras vantagens competitivas, como clima favorável, chuvas e terras bem drenadas, mas o solo carece de nutrientes.
Por isso, em um cenário de desabastecimento de fertilizantes, a produção e a produtividade do agronegócio brasileiro podem cair abruptamente já no segundo ano de safra. “Se o mundo enfrentar um problema de tráfego internacional, seja pela Covid ou por algum conflito externo — vi o que a Guerra do Golfo fez com o transporte internacional — o Brasil está em xeque. A reserva de nutrientes dos nossos solos aguenta uma ou duas safras, mas já com perdas significativas de produtividade.”
A solução, defende Polidoro, virá de um Plano Nacional de Fertilizantes de curto, médio e longo prazos e orientado por quatro pontos-chave. O primeiro deles é uma complicada questão tributária. Sobre a produção nacional incide ICMS, o que reduz a competitividade em relação aos fertilizantes que chegam de outros países. Estima-se que o custo da produção interna fique até 9% mais caro por causa disso.
O segundo é solucionar a atual dificuldade administrativa para a exploração mineral. Como o assunto é delicado e envolve diferentes agentes da sociedade, Polidoro acredita ser necessária uma legislação específica para a exploração de fósforo e potássio. Outro pilar passa por um programa de investimento, principalmente de capital estrangeiro.
Para o pesquisador, existe ainda outro fator a ser levado em conta: a tecnologia de fertilizantes usada no Brasil. “Os produtos vendidos aqui foram pensados para solos de clima temperado, que é o clima predominante dos lugares onde os fertilizantes são feitos. A gente fala da necessidade de uma aplicação inteligente, bem feita, e isso é verdade. Mas posso afirmar que cerca de 40% da ineficiência do fertilizante acontece porque a tecnologia dele não foi desenvolvida para o nosso tipo de solo.”
Por fim, o pesquisador fala em uma revolução tecnológica no setor. “Existem diversas matérias-primas que hoje não são usadas para a produção de fertilizantes. Com inovação e os conhecimentos da biotecnologia, o país poderia contar com uma teia diversa de fertilizantes, com capacidade de atender à produção nacional e, mais importante, feita para o nosso tipo de solo.” O benefício para o produtor, pelo menos no curto prazo, não passa pela diminuição do custo do produto, mas pela segurança de abastecimento de insumos e pela eficiência ganha na aplicação, defende Polidoro.
Maiores consumidores de N, P e K




Nahin Góes é engenheiro agrônomo e comanda o Grupo Góes, distribuidor de fertilizantes no estado do Paraná. Ele avalia que o ganho de eficiência seria significativo para o produtor, já que entre 40% e 50% dos custos de implantação de uma lavoura vêm da compra de fertilizantes. “Talvez a minha geração não veja essa mudança, mas um fertilizante feito especificamente para o solo brasileiro seria o mundo ideal. O ganho de eficiência mudaria o planejamento estratégico do produtor.”
O longo prazo do Plano Nacional de Fertilizantes, se concretizado, pode alterar a estrutura do mercado e beneficiar também a indústria regional. “Se desenvolvemos uma indústria com características nacionais, com as grandes multinacionais que já estão aqui e com a indústria de biológicos, que são regionais, aí estamos falando de potencial redução de custos para o produtor, por causa do transporte e da questão logística. Para revendas, a vantagem é na relação comercial com o fornecedor e na maior variedade no catálogo de produtos.”